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Entre o encantamento e a indignação está a racionalidade

Entre o encantamento e a indignação está a racionalidade

Em um livro motivacional sobre liderança lançando em 2009 (Liderança em foco, Mário Sérgio Cortella e Eugenio Mussak), os consagrados autores, ao abordarem as razões das crises de aprendizado dos estudantes brasileiros, defendem, em determinada altura do livro, o "encantamento" que necessariamente deve integrar a efetividade do aprendizado. É exposta a visão que a matemática é "invenção pura", ou "poesia pura". Sem "existência real", é tarefa do educador despertar esse "encantamento" no aluno de modo a facilitar o aprendizado.

Com o devido respeito a que são merecedores os autores, aliás como são todos os autores e ainda que em domínios de ideias opostas, defenderemos a concepção que o aprendizado, pelo menos o aprendizado com foco em objetivos, não é congruente com uma concepção "encantada".

Em primeiro lugar, explicitemos a noção de "encantamento", como encontrada nos dicionários: deslumbramento por ou frente a algo; prazer intenso decorrente de algo; sensação de magia provocado por algo. Todas essas descrições têm em comum a harmonia, ou ausência de tensão, entre o sujeito e o objeto da relação.

Em segundo lugar, e como justificativa ao "encantamento" como elemento necessário ao aprendizado, os autores destacam que a matemática não tem existência concreto, pois um "triângulo ou uma derivada não tem existência real". Aqui, estamos diante de um problema sério, pois o mundo humano não é um mundo "real" e sim criado de acordo com possibilidades e interesses, como bem o demonstra Charles Taylor em "As Fontes do Self". As ideias matemáticas são abstrações, mas abstrações que modelam e possibilitam todo o aparato tecnológico que constitui o mundo que vivemos. Considere, por exemplo, uma função simples como Ax' + Bx = f(t). Você pode, eventualmente, ficar "encantado" com sua representação, mas compreendê-la e dominar seu significado envolve um longo processo de treinamento intelectual. Para início de conversa, está implícito na função que existe um plano de referências bidimensional, que é composto pelo eixo horizontal das abscissas e o eixo vertical das ordenadas e que a variável independente x' é representada pelas abscissas. Os valores que a função pode assumir estão contidos nesse plano e variam em função do tempo (não por acaso a grafia f(t), a indicar movimento). Em continuidade, você deve saber que A e B são constantes computados a x' (abscissa) e x (ordenada) e que x' e x se relacionam por uma dada regra tal que exista uma correspondência única entre seus respectivos valores. Se essa correspondência única estiver ausente, então não é uma função que está sendo representada, mas uma equação.

Para além da complexidade que as ideias matemáticas possam apresentar, a matemática é uma linguagem tão real quanto são as linguagens que norteiam as comunicações humanas, como o português, o francês, o alemão e assim por diante. Nunca ninguém "viu" a língua portuguesa, mas ninguém duvida de sua existência. Aliás, Jean Piaget, um estudioso do desenvolvimento da inteligência humana, situa o estágio mais avançado do desenvolvimento cognitivo como a habilidade de realizar operações abstratas e sem a correspondência de elementos empíricos para a solução de problemas.

Em terceiro lugar, mas não menos importante que as posições anteriores, é o destaque de elementos irracionais derivados das emoções na educação. A percepção do "encantamento" induz a contextos harmoniosos, sem tensão entre sujeito e objeto da relação. No sentido oposto temos a "indignação", ou exacerbação das tensões pela recusa na aceitação. A ausência ou o excesso de conflitos são desestimulantes ou prejudiciais ao aprendizado, por, respectivamente, mitigarem ou excederem os níveis de conflitos adequados para que o sujeito mantenha interesse em controlar e "dominar" pela apropriação o objeto do conhecimento. Assim, "encantamento" e "indignação" estão em polos opostos, são emoções que podem estar impregnadas de crenças irracionais e inibem o aprendizado: a primeira pela aceitação acrítica e a segunda pela falta de perspectivas.

Em termos "reais", é encantador ouvir que o Brasil é "uma pátria educadora" ou que as universidades federais disponibilizam educação "pública, gratuita e de qualidade". Mas causa indignação os índices expressos na Avaliação Nacional de Alfabetização 2014 indicarem que 56,17% dos estudantes brasileiros no 3º ano do ensino fundamental têm baixo nível de leitura e que esse fracasso educacional é "naturalizado" pelas políticas de cotas no ingresso às Universidades Federais.

Ainda sobre a "inexistência real" das ideias matemáticas, ignora-se que a aquisição da habilidade cognitiva ao longo do tempo pode ser empiricamente representada por uma função com "estímulos" no eixo das abscissas e "desenvolvimento" no eixo das ordenadas. A curva formada pelos pontos de intersecções entre as coordenadas representa a aquisição da habilidade cognitiva e pode ser mensurada e sofrer intervenções que objetivem sua adequação ao padrão julgado ideal.

Se associarmos a noção matemática de função a termos de inteligência empreendedora, a função traduz-se em projeto para criação de oportunidades. No eixo das abscissas representam-se os estágios sequencias da estratégia adotada. No eixo das ordenadas a disponibilização dos recursos. A curva da função representará a implementação do projeto ao longo do tempo e seus resultados parciais (e aqui deve ter-se presente a definição de projeto: um empreendimento único devidamente planejado, organizado, controlado em suas etapas e temporalmente delimitado para obtenção de um resultado específico). A educação de cada aprendiz é um projeto!

Mas, se nos opomos ao "encantamento" e à "indignação" enquanto estratégias de aprendizado, o quê propomos?

Uma concepção empiricamente realista e racional da educação e correspondente implementação em concordância com as exigências de nosso tempo.

A educação é um projeto de longo prazo que objetiva o estabelecimento de modos de comportamentos socialmente válidos no contexto do que se conceitua como cidadania. Mas também é a constituição, desenvolvimento e manutenção de habilidades cognitivas focadas na solução de problemas, de forma a conferir autonomia na carreira profissional e consequente bem estar social.

As habilidades cognitivas, por definição, envolvem operações abstratas intelectualmente elaboráveis, previsíveis e analisáveis anteriormente à presença dos elementos empíricos que lhes atribuirão existência no mundo físico . Nesse contexto formativo, existem trocas de experiências entre os participantes condicionadas por um princípio fundamental: o desenvolvimento e aproveitamento das habilidades intelectuais é uma tarefa de responsabilidade individual que requer dedicação, persistência e o foco deve ser de projeto: um empreendimento único que tem por objetivo a criação de condições para uma carreira profissional recompensadora. Em resumo: pelo aprendizado o aluno escolhe o tipo de existência futura que julga adequada.

Finalizando, é importante citar pelo menos uma evidência empírica da proposta recém delineada: o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) é um dos mais importantes cursos de graduação em engenharia do Brasil, se não o mais importante, e seleciona candidatos somente com base nas habilidades cognitivas desenvolvidas pela educação formal e expressas nos exames admissionais. Você conhece algum egresso do ITA desempregado?